Vestida, tal como a sua comitiva, a rigor, a ministra de Estado para todas as áreas , Carolina Cerqueira visitou o esqueleto do Hospital Geral do Zaire, e disse: “Viemos visitar este mega projecto. Já tem financiamento da Alemanha. Ainda este ano, pensamos que vão ser retomadas as obras para a conclusão da infra-estrutura”. Pensemos. Aliás, já pensamos – neste caso – desde 2014 quando começaram as obras.
Entre as especialidades que pensamos estar previstas para a nova unidade hospitalar estão as de pediatria, hemodiálise, cardiologia. Está igualmente prevista uma Escola Técnica de Saúde que vai servir de base para a formação de quadros médios e técnicos para, esclarece o órgão oficial do MPLA (Jornal de Angola), “o manuseamento do equipamento tecnológico que vai ser instalado na unidade”. Quem diria, não é?
As obras do Hospital Geral do Zaire foram paralisadas em 2016 sem qualquer explicação das autoridades. Alias, explicar é algo que não consta da lei, quando ao MPLA respeita. O projecto, orçado em cerca de quatro mil milhões de kwanzas (o equivalente a cerca de cinco milhões de euros), corresponde (correspondia, talvez ainda corresponda) a um edifício de três pisos, com capacidade para 400 camas.
O novo centro hospitalar deveria atender principalmente a população do Zaire, mas também das províncias vizinhas do Uíge e Cabinda.
Na época, a paralisação das obras surpreendeu os residentes da capital provincial do Zaire, Mbanza Kongo, que há 45 anos continuam à espera que a independência chegue à região e lhes traga o que – segundo o MPLA – foi roubado pelos colonos portugueses…
Promessas na saúde são em comprimidos ou injecções?
Segundo o DIP (Departamento de Informação e Propaganda) do MPLA, em Setembro de 2018, o Governo desbloqueou mais de 115 mil milhões de kwanzas (335 milhões de euros) para a concretização de 16 projectos na área da saúde, incluindo a construção e apetrechamento de hospitais, armazéns centrais e outras infra-estruturas públicas.
O valor inseria-se num despacho presidencial de final de Setembro de 2018, e autorizava a abertura da contratação simplificada para a execução de projectos, uma medida que pretendia, lê-se no documento, “melhorar a assistência e o acompanhamento médico aos doentes”.
Mais de metade do valor seria utilizado na construção e apetrechamento do hospital provincial de Cuanza-Sul e do hospital materno-infantil do Huambo, com cada um deles a estar orçado em 27,56 mil milhões de kwanzas (cerca de 80 milhões de euros).
Uma outra grande parte do orçamento – 20.398 milhões de kwanzas (quase 60 milhões de euros) – seria utilizada na construção e apetrechamento do hospital de MBanza Congo, capital da província do Zaire.
O Governo autorizou ainda a construção do Laboratório Nacional de Controlo de Qualidade e de Medicamentos, avaliada em 13.782 milhões de kwanzas (cerca de 40 milhões de euros), do Centro de Hemodiálise do Hospital de Cabinda, orçada em 4.331 milhões de kwanzas (12,6 milhões de euros) e a reabilitação do Hospital Neves Bendinha, em Luanda, com custos estimados de 4.523 milhões de kwanzas (13,15 milhões de euros).
Dois armazéns centrais iriam também ser construídos, um em Luanda e outro em Benguela, com um custo total de 2.945 mil milhões de kwanzas (8,5 milhões de euros).
O decreto assinado pelo Presidente João Lourenço previa igualmente a construção e/ou apetrechamento de várias unidades hospitalares nas províncias de Bié, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cunene, Huambo, Namibe, Uíge.
À semelhança do investimento de 203 milhões de euros para obras em seis estruturas hospitalares, noticiado em 15 de Setembro de 2018, também este despacho enquadrava-se com as prioridades definidas no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022, do Governo.
Enquanto isso… morre-se!
O quadro epidemiológico de Angola é caracterizado por doenças transmissíveis e parasitárias, com destaque para as grandes endemias como a malária, o VIH/SIDA e a tuberculose, juntando-se as doenças tropicais negligenciadas, como tripanossomose humana africana. O norte do país continua a ser mais afectado devido às suas características geográficas, sendo as regiões mais endémicas as províncias de Cabinda, Zaire, Uíge, Cuanza Norte e Sul, Malange, e as Lundas Norte e Sul.
Todo este drama acontece porque, desde sempre, as dotações orçamentais para a saúde não são prioritárias para o governo. A opção tem sido passar os custos para a parte mais fraca, ou seja a população. Essa estratégia leva ao aumento do índice de mortalidade materno-infantil por malária visto que a população, regra geral, não tem condições financeiras para custear os serviços de saúde privados, em alternativa aos hospitais estatais que continuarão a não ter medicamentos e equipamentos médicos.
Só com uma boa gestão dos serviços de combate à malária, tendo em conta a população afectada e os gastos com medicamentos, equipamentos e os materiais utilizados para as medidas de prevenção, se poderão alocar verbas e metodologias verdadeiramente eficazes.
Tudo leva a crer que o valor alocado ao Programa de Combate à Malária reflecte a falta de identificação dos reais problemas da população por parte do Governo, navegando ao sabor dos casos e sem estabelecer prioridades consequentes.
Recorde-se que o Fundo Global tornou público em 2016 a conclusão de um relatório em que denunciou que cerca de 4,3 milhões de dólares destinados ao programa de combate à malária em Angola foram desviados por responsáveis angolanos.
As verbas em causa foram desviadas, segundo o relatório, para as empresas Gestinfortec, NC&NN e Soccopress, envolvendo “pagamentos fraudulentos” de materiais de comunicação, equipamentos técnicos e produtos de saúde.
A ONG exigiu directamente do Executivo angolano a recuperação de 3,6 milhões de dólares (3,1 milhões de euros), tendo recebido 2,9 milhões de dólares (2,5 milhões de euros) até 2016, por parte do Ministério da Saúde.
Os principais desafios da malária em Angola têm como base os dados do Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário 2012-2025, aprovado pelo Executivo, e a Declaração de Abuja (2000) da qual Angola é subscritora.
– Redução da mortalidade infantil resultantes da doença. Em cada mil crianças que completam o primeiro ano de vida, 25 morrem entre o primeiro e o quinto aniversário (IIMS, 2016). Numa comparação com cinco países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) – Namíbia, Zâmbia, República Democrática do Congo, Lesoto e Moçambique -, o inquérito revela que Angola está atrás apenas da Namíbia.
– Pulverização intra e extra domiciliar direccionadas para os municípios tidos como de alto risco, distribuição de redes mosquiteiros e campanha de consciencialização da população sobre os métodos de prevenção à malária.
– Adopção de instrumentos legislativos no Sistema Nacional de Saúde para implementar as medidas de prevenção e controlo das emergências de saúde pública de importância nacional e internacional.
– Assegurar a formação contínua pós-graduada e a sustentabilidade de recursos humanos e de serviços de saúde de qualidade.
Actualmente, cerca de 36% da população angolana vive abaixo da linha de pobreza e com dificuldade de acesso aos serviços públicos básicos (água, saneamento, energia, saúde, educação e habitação).
O governo de Angola aderiu a iniciativa Roll Back Malária/Fazer Recuar o Paludismo (RBM), lançada por algumas Agências das Nações Unidas, como a OMS, UNICEF, PNUD e Banco Mundial em 1998, e desde então foram definidas politicas e estratégias para estar em sintonia com as componentes técnicas da declaração de Amsterdão e das metas da Declaração de Abuja sobre o combate a malária e revitalização do sistema nacional de saúde.
É importante destacar que o governo cessante liderado por José Eduardo dos Santos tomou a Iniciativa Presidencial contra a Malária (IPM, 2014) em reforço ao Plano Estratégico do Programa Nacional de Controlo da Malária 2011-2015 do Ministério da Saúde.